quinta-feira, março 20, 2008

A importância da humildade

LAVA-PÉS DA IGREJA

«Ó Senhor! Não só os pés,
mas também as mãos e a cabeça!»

Pedro (Jo 13,9b)



Os Pés

Senhor, Pedro talvez não precisasse:
Ainda não sentira o pó da História.
Dois mil anos depois, se me não lavas,
Ninguém verá em mim a tua Esposa.

Senhor, lava meus pés – os pés descalços
Com que fui proclamar teu Evangelho.
Deixei que muito pó se lhes pegasse,
E não o sacudi como aconselhas.

Partindo sem cajado nem alforge,
Servi-me e rodeei-me de prestígio,
De bens e de poder, mais confiando
Nas minhas estruturas, que no Espírito.

Senhor, lava estes pés de Mensageira
Da paz e do perdão, e não da espada,
Que às vezes pretendeu impor-te à força
Com armas, guerras santas e Cruzadas.

Senhor, lava estes pés, a quem foi dado
Um guia para a Terra Prometida,
E às vezes preferiram o regresso
À antiga servidão, aquém da vida.

Novamente, Senhor, de pés lavados,
Contigo irei passar o Mar Vermelho
Do teu suor de sangue e do teu Sangue,
Ali deixando, enfim, o mundo velho.

Senhor, lava meus pés: sou tua Igreja
E quero tomar parte no teu Reino.
Admite-me, Senhor, à tua mesa
Na Páscoa sempre nova da tua Ceia.


Lopes Morgado

terça-feira, março 18, 2008

Há flores que de ti dependem




Um Dos Capítulos

Ainda te falta
dizer isto: que nem tudo
o que veio
chegou por acaso. Que há
flores que de ti
dependem, que foste
tu que deixaste
algumas lâmpadas
acesas. Que há
na brancura
do papel alguns
sinais de tinta
indecifráveis. E
que esse
é apenas
um dos capítulos do livro
em que tudo
se lê e nada
está escrito.

Albano Martins

domingo, março 16, 2008

Ensina-nos...

“Senhor, ensina-nos o lugar
que, no eterno romance
iniciado entre Ti e nós,
ocupa o baile especial
da nossa existência.
Revela-nos a grande orquestra dos teus desígnios,
na qual Tu semeias notas estranhas,
na serenidade do que Tu queres.
Ensina-nos a vestir todos os dias
a nossa condição humana
como um vestido de baile
que nos fará amar por Ti
todos os seus pormenores, como jóias
que não podem faltar.
Faz-nos viver a nossa vida,
não como um jogo de xadrez,
em que todos os movimentos são calculados,
não como uma partida em que tudo é difícil,
não como um teorema
que nos faz quebrar a cabeça,
mas como uma festa sem fim
em que se renove o encontro contigo.
Como um baile,
como uma dança,
entre os braços da tua graça,
na música universal do amor”

Madeleine Delbrêl

sábado, março 15, 2008

Aranha



A Aranha

A ARANHA do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir.
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.


Fernando Pessoa


terça-feira, março 11, 2008

Porta de madeira...




com almofadas entalhadas dos inícios do século XVII, com símbolos sacros, mitras episcopais e custódias.
Convento de Santa Clara - Funchal

sábado, março 08, 2008

Dia Internacional da Mulher




Ser mulher

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!


Gilka Machado

segunda-feira, março 03, 2008

As casas... Funchal


Oh as casas as casas as casas


Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
ela morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei - ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

Ruy Belo