domingo, dezembro 30, 2007

Feliz 2008

Lágrimas de bênçãos

sexta-feira, dezembro 28, 2007

O pão de cada dia



Liberdade

– Liberdade, que estais no céu…
Rezava o padre nosso que sabia
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

– Liberdade, que estais na terra…
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
– Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.


Miguel Torga

quinta-feira, dezembro 27, 2007

O Natal de meu pai é ainda o meu Natal





«Abstracção não precisa de mãe nem pai»


A abstracção não precisa de mãe nem pai
nem tão pouco de tão tolo infante

mas o natal de minha mãe é ainda o meu natal
com restos de Beira Alta

ano após ano via surgir figura nova nesse
presépio de vaca burro banda de música

ribeiro com patos farrapos de algodão muito
musgo percorrido por ovelhas e pastores

multidão de gente judaizante estremenha pela
mão de meu pai descendo de montes contando

moedas azenhas movendo água levada pela estrela
de Belém

um galo bate as asas um frade está de acordo
com a nossa circuncisão galinhas debicam milho

de mistura com um porco a que minha avó juntava
sempre um gato para dar sorte era preto

assim íamos todos naquela figuração animada
até ao dia de Reis aí estão

um de joelhos outro em pé
e o rei preto vinha sentado no

camelo. Era o mais bonito.
depois eram filhoses o acordar de prenda no

sapato tudo tão real como o abrir das lojas no dia
de feira

e eu ia ao Sanguinhal visitar a minha prima que
tinha um cavalo debaixo do quarto

subindo de vales descendo de montes
acompanhando a banda do carvalhal com ferrinhos

e roucas trompas o meu Natal é ainda o Natal de
minha mãe com uns restos de canela e Beira Alta.



João Miguel Fernandes Jorge

sábado, dezembro 15, 2007

Vive


Vive


Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.



Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)