sexta-feira, março 21, 2008

CRUZ


Eu estava lá

Era fácil de mais falar de um homem
de seus trinta e tal anos, nazareno,
bom, amigo dos pobres e doentes,
contra quem os poderes se entenderam
e o seu povo, instigado, pediu morte.

Era fácil dizer que fora preso
do outro lado do Cédron, no Getsémani;
que o processo correu pelas mãos de Anás
e Caifás, ambos Sumos Sacerdotes,
e chegou ao pretório de Pilatos.

Era fácil dizer: Judas traiu-o,
Pedro disse que nunca o tinha visto,
e Pilatos, não tendo muito embora
encontrado em Jesus causa de crime,
o entregou para ser crucificado.

Era fácil dizer que o tribunal
se encontrava no sítio do Lajedo,
“Gabbathá” em hebraico; e que Jesus
carregou com a cruz para o lugar
da Caveira, em hebraico dito “Gólgota”.

Era fácil dizer que tudo isto
sucedeu muito longe, há dois mil anos,
ou culpar os Judeus por essa morte.
Hoje, tarde de Sexta-feira Santa,
fiz de turba na igreja, e gritei alto:

«Não o soltes! Queremos Barrabás!
A Jesus, crucifica-o! Crucifica-o!»
Estava lá e ouvi Jesus gritar;
«Tenho sede» e não fui dessedentá-lo;
e «Meu Deus, porque é que me abandonaste?»

e não disse: “Sossega. Não estás só.
Eu, teu Pai e tua mãe estamos aqui.”
Nem lhe dei o meu ombro para Ele
saber que és Deus-connosco, ao dizer «Pai,
nas tuas mãos eu entrego o meu espírito.»

Era fácil dizer. Mas eu não disse.



Lopes Morgado


(Dia Mundial da Poesia)

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