quinta-feira, junho 28, 2007

"Pico Rádio"





A Máquina Fotográfica

É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água

água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boa nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.

Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.

Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contrastada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.

Moras aonde eu sei.
É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a vista
trago a minha tristeza a tiracolo.

Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shining
love.

Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.

Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sendo à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
dum novo continente itinerante.

José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, junho 27, 2007

Til



Espécie endémica da Macaronésia e importante componente da Laurissilva.

Ver: http://www.madeiranature.com/index/nm/nature/terrestrial/flora/endemicindigenous/laurissilva/_/2/5207/l/pt.html

sexta-feira, junho 22, 2007

Adeus Primavera!



Flor que não dura

Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.

Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais, ó flor, te vi
Onde não sou senão a terra e o céu.


Fernando Pessoa

quarta-feira, junho 20, 2007

Sinos


Ó sino da minha aldeia

Ó sino da minha aldeia
dolente na tarde calma,
cada tua badalada
soa dentro da minha alma...

E é tão lento o teu soar,
tão como triste da vida,
que já a primeira pancada
tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto,
quando passo, sempre errante,
és para mim como um sonho,
soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
vibrante no céu aberto,
sinto o passado mais longe,
sinto a saudade mais perto...


Fernando Pessoa

quinta-feira, junho 14, 2007

Benditas são as mãos...



Mãos que não se Fecham

Benditas são as mãos que não se fecham
Que seguram o bebé para não chorar
Que ajudam o velhinho a caminhar
Que plantam flores para perfumar
Mãos humildes que estão sempre a ajudar.

Benditas são as mãos das mães
Sempre abertas para abençoar
Ensina ao filho como deve caminhar
Mãos macias para acariciar
Mãos fortes para energizar
Mãos que não deixam o filho fracassar.

Benditas são as mãos dos médicos
Que seguram o aparelho para consultar
Examinam o paciente e começa a medicar
Apertam a mão do doente e pede para confiar
E o paciente já começa a melhorar.

Benditas são as mãos das criancinhas
Mãos puras, inocentes, sempre abertas para amar,
Mãos pequeninas, para ajudar,
Porém, grandes na pureza para amar.
Mãos que pedem à mãe para abençoar
Rezam sua oração e vão logo descansar.

Benditas são as mãos do professor
Que seguram o giz e começa a ensinar
Ministra os conteúdos e ensina a pesquisar
Mostra o caminho para o aluno se educar,
O dever de cidadão, ele também vai ensinar.

Benditas são as mãos do agricultor
Que pegam a enxada e começam a plantar.
Mãos encaliçadas, porém, muito encorajadas
Mãos esperançosas, por sempre acreditar
Na colheita do roçado para a família alimentar.
Mãos abertas para sempre trabalhar.

Mas benditas são as mãos de Maria
Que nunca se fecham,
Para segurar todas essas mãos!!!


Francisca Cruz Macedo

sábado, junho 09, 2007

Nos bosques, perdido




Nos bosques, perdido

Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro
E aos lábios, sedento, levante seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando,
um sino quebrado ou um coração partido.
Algo que de tão longe me parecia
oculto gravemente, coberto pela terra,
um grito ensurdecido por imensos outonos,
pela entreaberta e húmida treva das folhas.
Porem ali, despertando dos sonhos do bosque,
o ramo de avelã cantou sob minha boca
E seu odor errante subiu para o meu entendimento
como se, repentinamente, estivessem me procurando as raízes
que abandonei, a terra perdida com minha infância,
e parei ferido pelo aroma errante.

Não o quero, amada.
Para que nada nos prenda
para que não nos una nada.
Nem a palavra que perfumou tua boca
nem o que não disseram as palavras.
Nem a festa de amor que não tivemos
nem teus soluços junto à janela...

Pablo Neruda

quarta-feira, junho 06, 2007

Mil cansaços


Um dia
Sophia de Mello Breyner Andresen


Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.


O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.


Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

sexta-feira, junho 01, 2007

Ferro velho








Apesar das ruínas e da morte


Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.


Sophia de Mello Breyner Andresen