domingo, abril 06, 2008

Luz do sol


Luz do sol, luz da razão


(Resposta à poesia de João de Deus, Luz da fé)


Tu, sol, é que me alegras!
A mim e ao mundo. A mim...
Que eu não sou mais que o mundo,
Nem mais que o céu sem fim...

Nem fecho os olhos baços
Só porque os fere a luz...
Ergo-os acima - e embora
Cegue, recebo-a a flux!

Crepúsculos são sonhos...
E sonhos é morrer...
Sonhar é para a noite:
Mas, para o dia, ver!

Sim, ver com os olhos ambos,
Com ambos devassar
Os astros n’essa altura,
E os deuses sobre o altar!

Ver onde os pés firmamos,
E erguemos nossas mãos!
E quer nos montes altos,
Quer nos terrenos chãos,

É sempre amiga a terra
E é sempre bom viver,
Se a terra à luz da aurora
E a vida ao amor se erguer!

Em toda a parte as ondas
D’esse infinito mar,
Por mais que andemos longe,
Nos podem embalar!

Em toda a parte o peito
Sente brotar a flux,
E sempre e à farta, a vida...
Vida - calor e luz!

Nos seixos d’essas praias,
Se o sol lá lhes bater,
N’um átomo de areia,
Deus pode aparecer!

Bata-lhe o sol de chapa,
E um deus se vê também
No pó, tornado um astro
Como esses que o céu tem!

Desprezos para a terra?!
Também a terra é céu!
Também no céu a impele
O amor que a suspendeu...

E quem lá d’esse espaço
Brilhar ao longe a vir
Dirá que é paraíso
E um éden a sorrir!

Em baixo! O que é em baixo?
Em baixo estar que tem?
Ninguém à eterna sombra
Nos condenou! ninguém!

Se até nos surdos antros,
Nas covas dos chacais,
Penetra o sol, vestindo-os
Com raios triunfais

Se ao céu até se viram
As bocas dos vulcões...
E têm os próprios cegos
Um céu... nos corações!

Não! não há céu e inferno:
Divino é quanto é!
Para que a rocha brilhe,
Basta que o sol lhe dê...

Basta que o sol lhe beije
As chagas que ela tem,
E a morta d’essa altura,
A lua, é sol também!

E as trevas da nossa alma,
A nossa cerração,
Oh! como se desbarata
A aurora da razão!

Mas se a razão, surgindo,
Nossa alma esclareceu,
Também tu, sol, no espaço
Surges, razão do céu...

Por isso é que me alegras,
Ó luz, o coração!
Por isso vos estimo...
Tu, sol, e tu, razão!

1865.



Antero de Quental

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